terça-feira, 19 de junho de 2012


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As marcas que Dilma e muitos outros têm


A TORTURA É INDEFENSÁVEL EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA E TORTURADORES TÊM DE SER PUNIDOS


19 de Junho de 2012 às 13:21


Hélio Doyle


Quem esteve preso ou conheceu pessoas que foram presas nos tempos da ditadura sabe do que a agora presidente Dilma Rousseff está falando ao narrar as torturas que sofreu em Juiz de Fora. Muitos presos brasilienses passaram por lá, pois até 1971 não existia auditoria militar em Brasília e os julgamentos eram no tribunal militar daquela cidade mineira. Aliás, muita gente sequer sabe que os acusados de crimes contra a "segurança nacional" eram julgados por auditorias militares e pelo Superior Tribunal Militar.


A repórter Sandra Kiefer e os jornais Estado de Minas e Correio Braziliense ajudam muito, com a reportagem sobre as torturas a que Dilma foi submetida, a situar bem aquele período e mostrar como era a repressão aos movimentos políticos. A tortura é indefensável em qualquer circunstância, em qualquer lugar, em qualquer sistema político. Se não leva à morte, deixa marcas físicas e psicológicas para sempre, como disse a presidente Dilma: "As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim".


Diante das torturas e dos assassinatos cometidos por agentes civis e militares do regime, com o conhecimento e a conivência das mais altas autoridades, inclusive dos generais-presidentes da República, todas as demais questões a respeito daquele período têm de ser colocadas nesse contexto de cerceamento dos direitos e da liberdade e brutal repressão policial e política.


Alguns expoentes da direita, e pretensos liberais que têm acesso à grande imprensa fazem, há anos, a tentativa de colocar no mesmo balaio os crimes da ditadura e os cometidos pelos militantes das inúmeras organizações revolucionárias. Confundem deliberadamente várias questões, para tirar o mérito dos que lutaram contra a ditadura, impedir a apuração dos fatos e justificar a lei que concedeu anistia a assassinos e torturadores. Querem passar a ideia de que é a resistência armada não era legítima diante daquele regime ditatorial.


Algumas dessas falsas questões levantadas:


1) As organizações revolucionárias não lutavam pela democracia, mas pelo comunismo e pela ditadura do proletariado, e assim queriam substituir uma ditadura por outra.


É uma simplificação que desconsidera a história e a inteligência das pessoas. A luta contra a ditadura reuniu pessoas de diversas correntes políticas, com grande participação dos comunistas de diversas orientações, tradicionalmente mais organizados, mais dedicados e mais decididos. Para alguns deles, a democracia burguesa era uma etapa necessária para a construção do socialismo. Outros falavam em democracia popular, outros queriam ir direto ao socialismo. Comunistas também participaram ativamente, e em muitas regiões lideraram a resistência clandestina contra o nazismo, contra o fascismo e contra as ditaduras na América Latina e na Europa pós-guerra, lutando pela democracia sem abandonar seus objetivos estratégicos.


2) A luta armada contra a ditadura foi um erro e acirrou a repressão policial e militar contra os que queriam a volta da democracia.


É fácil, 40 anos depois, e principalmente sabendo o resultado, julgar uma decisão política sem avaliar a conjuntura e as circunstâncias que vigoravam naquele momento. A decisão pela luta armada no Brasil – e em vários outros países – explica-se e se justifica pelo quadro histórico e pela situação na época, o que não quer dizer que foi estrategicamente acertada. A ditadura havia fechado as alternativas de luta pacífica, que só voltaram na segunda metade dos anos 1970. A opção pela luta armada não foi unânime e foi criticada na época por várias organizações clandestinas, travando-se mesmo uma discussão acirrada entre "militaristas" e "pacifistas", ambos os termos usados em tom pejorativo. Mas pode-se discutir, sem sectarismos, se aquela radicalização não contribuiu para a distensão política na segunda metade da década.


3) A lei da anistia foi debatida pela sociedade e aceita pelos dois lados, não podendo ser revogada ou modificada.


Essa é uma grande mentira, geralmente contada com fatos e versões falsos, como faz o jurista Ives Gandra. A lei da anistia foi imposta pelo governo ao Congresso em um período de ditadura, e aceita como mal menor naquelas circunstâncias. Não foi um acordo entre iguais, um pacto legítimo, como se quer fazer crer. Nada impede, a não ser o medo e a força que ainda têm os que mataram e torturaram, que seja revista e deixe de proteger os criminosos da ditadura.


4) A esquerda revolucionária também cometeu inúmeros crimes, como assassinatos e sequestros, e se a anistia não vale para os dois lados, deve ser punida tanto quanto os agentes da ditadura.


Os militantes revolucionários foram presos, processados e cumpriram penas em condições sub-humanas. Muitos foram torturados e assassinatos. Já foram, pois, punidos, ao contrário dos agentes da ditadura. Mas há outro aspecto: em uma guerra, é natural que haja mortes em combate. Nenhum combatente pode ser condenado por isso, de um lado ou de outro. Mas em uma guerra não se pode torturar e assassinar a sangue frio, sem julgamento e fora de combate. O que se pede é a condenação de assassinos e torturadores.


5) O terrorismo é crime hediondo e assim os que cometeram atos terroristas teriam também de ser condenados.


As ações que realmente podem ser caracterizadas como terrorismo – o ataque indiscriminado a civis -- foram poucas, na luta contra a ditadura brasileira. Quem declarou a guerra foram os que derrubaram um governo legítimo e implantaram uma ditadura. Em uma situação de guerra, atacar um quartel, por exemplo, não é ação terrorista. Colocar bomba no saguão de um aeroporto é, sim, ação terrorista. Mas os responsáveis por ações que podem ser tachadas de terroristas já cumpriram penas ou foram mortos. Foram punidos, ao contrário dos que praticaram atos terroristas de Estado contra a população.


Defender a não punição de torturadores, sob qualquer pretexto, é ser cúmplice das torturas.

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